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Istambul

Quando cheguei pela primeira vez a Istambul, senti saudades por antecipação. Para quem chega, a vista da cidade, evoca a certeza de não ser possível, em uma única vida, conhecer todas as suas histórias, sabores e segredos. No horizonte de Istambul se vê, por entre as dezenas de torres geminadas das lajes convexas das mesquitas, a mais moderna urbanização em harmonia com a monumental arquitetura de antigos impérios - mais de dois mil anos de urbanização em ambas as margens do estreito de Bósforo. Ali, onde o mediterrâneo encontra o mar negro, uma ponte liga o oriente ao ocidente, e a Europa e a Ásia estão a uma estação de metrô de distância.

 

A impressão que se tem ao visitar Istambul é de que a cultura mulçumana muito contribuiu para a criação de um espaço urbano ordenado e mais humano. Em praticamente todos os quarteirões, existe alguma mesquita, e sempre ao seu lado, banheiros públicos limpos e bebedouros gratuitos acessíveis a qualquer pedestre. Outro costume interessante é o de não concentrar os túmulos dos mortos em grandes cemitérios, e sim em construir pequenos jardins arborizados por toda cidade com os mausoléus e memoriais próximos de onde aquele ou aquela viveram. Assim a cidade respira com frescor as lembranças de sua história milenar.

 

Bem antes de ser capital do império romano e se chamar Constantinopla, Istambul foi Byzantium, cidade fundada pelos gregos nos anos 600 antes de cristo. Sobre suas fundações mais antigas, está hoje seu ponto mais vibrante. O distrito de Beyoglu, que apesar de estar na parte asiática da cidade, é o maior símbolo da ocidentalização de Istambul. Marco da presença europeia e construída no ponto mais alto da cidade por mercadores Genoveses do século XII, a famosa torre Gálata ainda mantêm ao seu redor o mesmo casario medieval, mas que hoje é ocupado por uma miscelânea de área residencial e estabelecimentos comerciais dos mais diversos. Dalí, descendo a colina à pé ou de bonde, chega-se ao centro nervoso de Beyoglu, a avenida Istiklal, onde estão as mais elegantes boutiques, galerias de arte, livrarias, casas de chá e lojas de doces. A boemia e vida noturna em Istiklal são impressionantes. Não importa o dia da semana ou horário da noite, você sempre irá encontrar a avenida movimentada e o comércio em atividade ininterrupta. A Turquia, apesar de ser um estado laico, mantém ainda forte sua tradição islâmica. Interessante notar a face mais liberal da cultura muçulmana aqui, onde jovens mulçumanas de véu ou mesmo de burca compram suas lingeries em lojas de grife, e salões de beleza são quase todos voltados para o público masculino. Istambul tem sido ao longo dos últimos anos um dos maiores focos das transformações sociais e culturais do mundo árabe. A Praça Taksim que fica no final da Avenida Istiklal foi palco recente de um grande confronto entre as forças do estado e a sociedade civil, sobre tudo entre os jovens e a polícia. Com a notícia de que a área verde da Praça Taksim seria derrubada e se tornaria um shopping, a população ocupou a praça. Meses de conflito se passaram até que os manifestantes tivesse a garantia de que o local iria continuar sendo um espaço público. As marcas deste período ainda hoje estão nos grafites e cartazes de protesto nos muros e paredes de Beyoglu.

 

Apesar de toda a agitação e energias de transformação, Istambul possui uma forte atmosfera de estabilidade e permanência. Essa sensação de eternidade nas coisas pode ser experimentada do outro lado da ribeira do Chifre de Ouro, que divide a cidade em duas. Atravessando de carro, barca ou de metrô, o visitante chega à parte ocidental, Sultanahmet, como é chamado o distrito antigo. Nele está localizado o antigo palácio do Sultão Ahmet e seus jardins magníficos, onde nascem originalmente as tulipas que um dia no passado foram exportadas para a Holanda. Ali ao lado está também a gigantesca abóboda da Mesquita Azul e suas seis torres de oração. Entretanto, o que mais atrai o olhar ali é sem dúvida o incrível engenho da arquitetura conhecido como Hagia Sophia. Construída pelos cristãos ordotoxos durante o período bizantino para ser uma "máquina de conversão" na qual o impacto visual e arquitetônico de quem ali entrasse fosse tamanho, que desta forma fizesse quem fosse pagão converter-se em crente em uma única visita ao seu interior. O projeto da catedral nunca chegou ao fim, devido aos constantes conflitos e guerras na região, entretanto Hagia Sophia sempre sendo preservada. De catedral cristã passou a ser mesquita, para depois voltar a ser catedral e mesquita novamente. Hoje em dia, Aya Sofya, como é chamada pelos turcos tornou-se um museu, onde toda sua história é recontada a cada nova camada, de tinta e ladrilho, descoberta de suas paredes.

 

Mesmo uma vida inteira vivendo na cidade não seria o suficiente para descobrir todos seus mistérios e encantos. Uma pequena prova disso está no caos caleidoscópico dos mercados populares de Istambul – neles a cidade mostra toda sua diversidade. Nas centenas de ruas, passagens,túneis e galerias que compões os complexos comerciais conhecidos como Grand Bazaar e Spice Bazaar, localizados também no distrito de Sultanahamet, o visitante pode ter a certeza de que vai se surpreender com algo que nunca viu ou nunca imaginou existir. Ali o comercio é algo sagrado, passado de geração pra geração. Os vendedores tem um grau de astúcia tamanha, que são capazes de adivinhar a nacionalidade de quem entra em suas lojas apenas observado o comportamento do cliente. Além de sábios, são também muito espirituosos e não perdem uma piada. Certa vez entrei em uma loja apenas para admirar os produtos e tirar algumas fotos. Quando o vendedor apareceu, eu já na defensiva, tentando me esquivar da abordagem disse que estava ali "só vendo e satisfeito em admirar' no que ele me respondeu prontamente: ´tudo bem relaxa, eu também só estou aqui também admirando e tentando te vender alguma coisa'”.

                                                                                        |Pedro Kiua|

(Originalmente publicado no jornal Voz da Serra, Nova Friburgo - 16/01/2015)

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